Análise do Problema da Abertura
do Comércio aos Domingos

 

José de Oliveira Siqueira
Claudio Felisoni de Angelo
João Paulo Lara de Siqueira
(Dep. de Administração FEA-USP)

"O sétimo dia é um sabbat para o Senhor, teu Deus;
nele não farás qualquer trabalho (Ex 20, 10)

 

                O artigo analisa de maneira multidisciplinar o complexo problema da abertura do comércio aos Domingos e feriados. Do ponto de vista econômico conclui-se que não há geração expressiva de empregos, nem tão pouco aumento significativo da atividade econômica. Além disso, os custos operacionais são aumentados, prejudicando particularmente os pequenos negócios. Para os comerciários há o inconveniente da privação do seu direito ao descanso semanal e redução do convívio familiar. Conclui-se que somente a intervenção do Estado por meio da Lei é capaz de restituir uma situação mais harmônica que deixou de existir quando as primeiras lojas passaram a abrir aos Domingos.

                A questão do funcionamento do comércio aos Domingos tem sido um tema bastante polêmico em diversos países. No Brasil o assunto vem chamando a atenção de diversos segmentos da sociedade. De fato a discussão tem dimensões políticas, econômicas, sociais e, sem dúvida, também culturais e religiosas.

                A vertente política se observa nos posicionamentos sindicais, nas opiniões dos políticos, que representam evidentemente segmentos da sociedade, e nas disputas regionais, uma vez que, dentro de determinados limites, municípios que adotam a prática do funcionamento do comércio aos Domingos devem atrair compradores daqueles que não o fazem. Isto certamente, além de fortalecer certas regiões e enfraquecer outras, tem ainda implicações sobre a receita municipal decorrente dos impostos sobre as vendas realizadas.

                Do ponto de vista econômico as implicações se colocam em termos do nível geral de atividade, da trajetória dos lucros, do potencial de expansão do emprego e da remuneração da mão-de-obra, entre outras. O nível de atividade é uma questão central: o funcionamento do comércio aos Domingos provoca uma expansão das vendas ou apenas e tão somente uma redistribuição das vendas entre os dias da semana? Se houver apenas uma redistribuição das vendas é provável que haja somente um aumento de custos. É bem possível também que não ocorra verificando-se essa situação movimento ascendente do emprego.

                Finalmente há as considerações culturais e religiosas. Na sociedade existe bem firmada a idéia de que o Domingo deve ser o dia destinado ao lazer e ao descanso. Conforme Evans (1998), a palavra sábado originou-se de shabbat que significa repouso (cessão). Para os judeus Sábado é o dia de culto e de descanso sabático. Pelo fato da Ressurreição de Jesus Cristo ter ocorrido no dia seguinte ao Sábado os cristãos, desde o período Apostólico, passaram a chamá-lo de Dia do Senhor ou Domingo. Dessa forma o dia de culto deixou de ser o Sábado e passou a ser o Domingo (descanso dominical).

                Lauand (2000) faz algumas considerações sobre os dias da semana no português. A palavra "feira" vem do latim feria e significa festa. Tomás de Aquino chama o Domingo de prima feria (a primeira festa litúrgica). A língua portuguesa é talvez a única que guarda o sentido cristão dos dias da semana após o Domingo. É interessante notar que Segunda-feira significa "segunda festa" (para a liturgia todo dia é, de algum modo, festivo), pois a primeira é o Domingo. Já em outras línguas os nomes dos dias da semana são referências aos deuses pagãos, e.g., Segunda é o dia da Lua: espanhol: lunes, inglês: monday etc. Thursday é o dia de Thor, o deus do trovão (Donners-tag). E cita o texto de Agostinho (En. in Ps. 93, 3): "O primeiro dia depois do sábado é o domingo, dia do Senhor; o segundo é a secunda feria, à que os profanos chamam diem Lunae; a tertia feria, diem illi Martis etc."

                Conforme CIC (1993), a Igreja Católica Apostólica Romana indica que os cristãos devem cumprir os Dez Mandamentos da Lei da Deus, sendo que o Terceiro Mandamento é "Guardar os Domingos e Festas". Conforme CIC (1993, # 2172), "O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus 'descansou' ao sétimo dia (Êx 31,17), o homem deve também 'descansar' e deixar que os outros, sobretudo os pobres, 'tomem fôlego' (Êx 23,12). O sabbat faz cessar os trabalhos cotidianos e conceder uma folga. É um dia de protesto contra servidões do trabalho e o culto ao dinheiro." Conforme CIC (1993, # 2184), "Tal como Deus 'repousou ao sétimo dia, depois de todo o trabalho que realizara' (Gn 2,2), assim a vida humana é ritmada pelo trabalho e o repouso." Conforme CIC (1993, # 2187), "Todo o cristão deve evitar impor a outrem, sem necessidade, o que possa impedi-lo de guardar o Dia do Senhor. [...] Não obstante as pressões de ordem econômica, os poderes públicos preocupar-se-ão em assegurar aos cidadãos um tempo destinado ao repouso e ao culto divino. Os patrões têm obrigação análoga para com os seus empregados." Conforme CIC (1993, # 2188), "No respeito pela liberdade religiosa e pelo bem comum de todos, os cristãos devem esforçar-se pelo reconhecimento dos domingos e dias santos da Igreja como dias feriados legais."

                Conforme Tomás de Aquino (1974, p. 237-47), o cristão deve guardar o Domingo e dias festivos de preceito evitando o trabalho corporal e servil, sendo que a atividade intelectual é permitida, pois ninguém pode exercer domínio sobre ela. Além disso, o cristão deve dedicar-se a fazer sacrifícios, conhecer a Palavra de Deus e dedicar-se a Deus. Segundo o Aquinate, para se conquistar o descanso dominical são necessários três descansos prévios: (i) do desassossego do pecado, (ii) das paixões da carne e (iii) das ocupações/afazeres do mundo. Conforme João Paulo II (1998, p. 70-2),

"64. Durante muitos séculos, os cristãos viveram o Domingo apenas como dia de culto, sem poderem juntar-lhe também o significado específico de descanso sabático. Só no séc. IV é que a lei civil do Império Romano (Édito de Constantino, 3 de julho de 321) reconheceu o ritmo semanal, fazendo com que, no "dia do sol", os juízes, os habitantes das cidades e as corporações dos diversos ofícios parassem de trabalhar. [...] 66. Importa não perder de vista que o trabalho é, ainda, no nosso tempo, uma dura escravidão para muitos, seja por causa das condições miseráveis em que é realizado e dos horários impostos, especialmente nas regiões mais pobres do mundo, seja por subsistirem, mesmo nas sociedades economicamente mais desenvolvidas, inúmeros casos de injustiça e exploração do homem pelo homem. Quando a Igreja ao longo dos séculos, legislou sobre o descanso dominical, teve em consideração sobretudo o trabalho dos criados e dos operários, certamente não porque este fosse um trabalho menos digno relativamente às exigências espirituais da prática dominical, mas sobretudo porque mais carente de uma regulamentação que aliviasse o seu peso e permitisse a todos santificarem o dia do Senhor. Nesta linha, o meu venerado predecessor Leão XIII, na Rerum novarum (1891) apontava o descanso festivo como um direito do trabalhador, que o Estado deve garantir. E no contexto histórico atual, permanece a obrigação de batalhar para que todos possam conhecer a liberdade, o descanso e o relax necessários à sua dignidade de homens, com as relativas exigências religiosas, familiares, culturais, interpessoais, que dificilmente podem ser satisfeitas, se não ficar salvaguardado pelo menos um dia semanal para gozarem juntos da possibilidade de repousar e fazer festa. Obviamente, este direito do trabalhador ao descanso pressupõe seu direito ao trabalho, pelo que, ao refletirmos sobre esta problemática ligada à concepção cristã do Domingo, não podemos deixar de recordar, com sentida solidariedade, a situação penosa de tantos homens e mulheres que, por falta de um emprego, se vêem constrangidos à inatividade mesmo nos dias úteis."

                Ainda, conforme João Paulo II (1998, p. 6-7),

"4. Ninguém desconhece, com efeito, que, num passado relativamente recente, a "santificação" do Domingo era facilitada, nos países de tradição cristã, por uma ampla participação popular e, inclusive, pela organização da sociedade civil, que previa o descanso dominical como ponto indiscutível na legislação relativa às várias atividades laborativas. Hoje, porém, mesmo nos países onde as leis sancionam o caráter festivo deste dia, a evolução das condições sócio-econômicas acabou por modificar profundamente os comportamentos coletivos e, conseqüentemente, a fisionomia do Domingo. Impôs-se amplamente o costume do "fim de semana", entendido como momento semanal de distensão, transcorrido, talvez, longe da morada habitual e caracterizado, com freqüência, pela participação em atividades culturais, políticas e desportivas, cuja realização coincide precisamente com os dias festivos. Trata-se de um fenômeno social e cultural que não deixa, por certo, de ter elementos positivos, na medida em que pode contribuir, no respeito de valores autênticos, para o desenvolvimento humano e o progresso no conjunto da vida social. Isto é devido, não só à necessidade do descanso, mas também à exigência de "festejar" que está dentro do ser humano. Infelizmente, quando o Domingo perde o significado original e se reduz a puro "fim de semana", pode acontecer que o homem permaneça fechado num horizonte tão restrito, que não mais lhe permite ver o "céu". Então, mesmo bem trajado, torna-se intimamente incapaz de "festejar."

                O trabalho aos Domingos, portanto, dadas as tradições, parece ser aceito de modo geral, na condição de excepcionalidade, ou no máximo tolerado por pressões econômicas. Por esses motivos pode-se dizer que o problema do funcionamento do comércio aos Domingos é de natureza complexa. Considerando que o tempo das pessoas na sociedade moderna é muito mais exíguo é natural que emanem pressões do mercado para que produtos e serviços estejam disponíveis em períodos cada vez mais dilatados. O comércio aos Domingos é uma faceta dessa dinâmica. Entretanto, contrapõem-se a essas forças outros interesses e considerações, conforme já assinalado.

                Da natureza intrincada do problema decorre o propósito do artigo. Recentemente observou-se que o assunto tem recebido alguma atenção por parte da academia. Utilizando séries temporais Quenneville, Cholette & Morry (1999) testaram os efeitos da abertura do comércio aos Domingos em uma particular província canadense.

                Infelizmente não se dispõe no Brasil de dados que permitam averiguar o impacto efetivo da abertura do comércio sobre as vendas. Entretanto, fundamentando-se em um estudo de campo realizado pelo PROVAR - Programa de Administração de Varejo da Universidade de São em 1999 é possível extrair alguns indícios de se as condições canadenses se verificam no Brasil.

                As considerações apontadas acima são, contudo, laterais no presente artigo. O propósito central do trabalho é o de tentar delinear o perfil das pessoas que são favoráveis e as que são contrárias ao funcionamento do comércio nos dias de Domingo. Esta é uma questão fundamental. Em outras palavras ao admitir-se a abertura das lojas aos Domingos alguns se beneficiam e outros têm suas disposições contrariadas. Quem compõe os dois grupos? Trata-se, portanto, de um aspecto complementar não abordado no estudo canadense.

                O posicionamento legal em diferentes países é bastante diverso. Há países, ou cidades, onde o comércio não funciona aos Domingos em outros locais o Domingo é um dia como qualquer outro. Por exemplo na França, na Alemanha na Áustria e em Portugal o comércio não abre aos Domingos. Já nos EUA e no México as lojas mantêm-se abertas aos Domingos. Há também a situação em que o comércio opera com algum tipo de restrição. A título de ilustração pode-se mencionar: Inglaterra, Itália e Espanha, onde nem todas as lojas costumam abrir. Na Índia, há uma folga por semana, não necessariamente aos Domingos. No Brasil, a proibição do funcionamento do comércio aos Domingos foi aprovada em 1949. Esta situação manteve-se assim inalterada até 1990. Em agosto desse ano, a lei foi modificada. Permitiu-se o funcionamento do comércio aos Domingos desde que se estabelecesse acordo entre patrões e empregados, bem como legislação municipal regulando o assunto. Ou seja, as disposições impeditivas de natureza federativa foram removidas. Os municípios passaram a ter autonomia para deliberar sobre o assunto, respeitada a manifestação das vontades de empregados e empregadores.

                De modo geral o que se nota, observando as diversas experiências, é que há uma tendência progressiva no sentido da liberalização das atividades comerciais aos Domingos. Esta tendência se explica pela maneira como tem evoluído a organização da sociedade moderna. O desenvolvimento tecnológico, notadamente aquele relacionado as comunicações, tem imposto um ritmo crescente nas operações em geral. Mudanças na estrutura da sociedade também têm contribuído para valorizar o tempo das pessoas. Um dos aspectos marcantes do que se assinalou é o crescimento da participação da mulher na força de trabalho, em todo o mundo.

                Deve-se indagar, contudo, quais os benefícios do funcionamento do comércio aos Domingos. Evidentemente que estando as lojas abertas um dia a mais isto representa comodidade para as pessoas na condição de consumidoras. Uma primeira questão que pode ser suscitada é: há crescimento significativo das vendas? Se houver, deve-se indagar adicionalmente: essa expansão induz a um aumento no nível de emprego? Finalmente, é preciso responder: tal medida atende a interesses de qual grupo social?

                O estudo canadense foi conduzido para uma particular província: New Brunswick. Dispondo de uma série de tempo mensal coletada no período 1981-96, e com informações específicas das características dos meses que compunham a série e dos períodos em que o comércio funcionou aos Domingos foi possível avaliar o impacto de tal procedimento sobre as vendas totais.

                Além disso o método utilizado permitiu também que se respondesse duas outras questões. A primeira: quais os segmentos do varejo que se beneficiam do fato das lojas estarem abertas aos Domingos? A segunda questão focalizou a distribuição das vendas durante a semana, ou seja: estando o comércio aberto aos Domingos, há alteração das vendas durante a semana?

                Analisando estatisticamente as séries temporais concluem os autores:

·      não se observou impactos significativos sobre as vendas em decorrência funcionamento do comércio aos Domingos;.

·      verificou-se uma alteração da distribuição das vendas entre os diferentes segmentos, beneficiando as lojas de departamento;

·      constatou-se também uma mudança no padrão de distribuição das vendas entre os dias da semana. Com o comércio aberto aos Domingos verifica-se um aumento das vendas nos Sábados e Domingos e um decréscimo nas Quintas e Sextas.

                Infelizmente os autores do presente artigo não dispõem de dados brasileiros que permitam estimar por meio de séries temporais o impacto da liberdade de funcionamento das atividades comercias aos Domingos. Entretanto, um estudo realizado em 1999 pelo PROVAR, que será mais a frente detalhado, fornece algumas evidências que corroboram os resultados encontrados pelos pesquisadores canadenses. Como o aspecto central do presente artigo está na caracterização das pessoas favoráveis e contrárias ao funcionamento do comércio aos Domingos e não no crescimento das vendas, decidiu-se apresentar a estrutura da pesquisa mais a frente.

                O levantamento que ouviu 400 habitantes da cidade de São Paulo indagava em uma de suas questões para as pessoas que já fizeram compras aos Domingos o seguinte: você teria realizado a compra em outro dia da semana caso as lojas não estivessem abertas no Domingo? As alternativas apresentadas aos respondentes consideravam diferentes graus de certeza. Dos entrevistados apenas e tão somente 4,8% das pessoas afirmou que certamente não teria feito essas compras em outro dia da semana. Embora o resultado não tenha a mesma expressão que o determinado na província canadense, a baixa porcentagem de pessoas que afirmou que certamente não teriam comprado, empresta apoio a tese que a liberação das atividades aos Domingos apenas redistribui as vendas entre os dias da semana.

                Caso isso ocorra é de se esperar que o impacto sobre o emprego seja também reduzido. No caso do Brasil os reflexos sobre o emprego de uma expansão pouco significativa do faturamento são ainda menos notados. Os custos da mão-de-obra são responsáveis por essa situação. Como mostra Bacha (1972) e, mais recentemente, Pastore (1998, p. 71) os encargos trabalhistas no Brasil oneram muito a mão-de-obra. Nas palavras de Pastore (1997, p. 71)

"...Na média, para um salário de 100, o trabalhador recebe uns 80 e a empresa paga cerca de 220. Ou seja, o trabalhador custa para a empresa quase três vezes aquilo que leva para casa. Isso é uma brutalidade. Não existe nada igual no mundo".

                Com base nestas idéias conclui o autor (1997, p.71): " Na situação brasileira, o empresário pensa duas vezes antes de contratar um novo empregado, ...".

                Assim, pode-se concluir que não há evidências que o funcionamento do comércio aos Domingos estimule o nível de atividade econômica. Há ainda menos argumentos que possam sustentar a idéia da expansão do nível de emprego decorrente do funcionamento das lojas aos Domingos.

                O problema do funcionamento ou não do comércio aos Domingos é complexo. Sua discussão envolve aspectos sociais, políticos, econômicos e também, culturais.

                Uma questão central, condicionante de toda a discussão, diz respeito ao impacto que o funcionamento do comércio têm sobre o volume de vendas. Embora outros estudos precisem ser feitos, as evidências assinaladas neste artigo não sustentam a tese de que a abertura do comércio nos Domingos propicie um crescimento significativo do nível de atividade.

                Considerando que o volume de emprego é determinado em boa parte pela escala das vendas, infere-se que os impactos são reduzidos também em termos da geração de postos de trabalho no comércio. Na verdade, dado o peso dos encargos trabalhistas no custo da mão-de-obra no Brasil, é de se esperar que os reflexos sobre o emprego do aumento pouco expressivo das vendas varejistas seja desprezível.

                A questão central do artigo que é a de identificar os grupos favoráveis e contrários a abertura das lojas aos Domingos fundamentou-se em uma pesquisa de campo realizada em São Paulo - Capital no ano de 1999.

                Os achados revelam que há uma distinção clara de opinião entre as pessoas em função do padrão de vida. Analisando a distribuição das opiniões favoráveis e contrárias por faixa de renda observou-se que as pessoas com maior poder aquisitivo são mais propensas a abertura das lojas aos Domingos do que aquelas de menor renda.

                Tal conclusão não foi apenas corroborada pela aplicação da técnica de árvore de decisão, como também revelaram-se algumas características importantes definidoras dos dois grupos: favoráveis e contrários ao funcionamento do comércio aos Domingos.

                Finalmente, embora não se tenha mencionado no desenvolvimento do trabalho não se pode deixar de considerar os pequenos proprietários, principalmente aqueles não localizados em Shopping Center. É de se esperar que as atividades do comércio aos Domingos beneficie as grandes cadeias e as lojas situadas em shopping centers. De certa forma, o estudo canadense evidenciou essa conclusão ao mostrar que os maiores beneficiários são as lojas de Departamento.

                O pequeno volume adicional de negócios é captado, em larga medida, pelas grandes cadeias varejistas e pelas lojas com atividades nos shoppings. Os pequenos varejistas, principalmente aqueles com lojas localizadas nas ruas, defrontam-se com problemas de custo: o acréscimo das vendas não compensa a elevação dos dispêndios necessários ao funcionamento do comércio aos Domingos.

                Em termos gerais, com o baixo crescimento das vendas, os varejistas encontram-se em situação semelhante à do famoso dilema dos dois prisioneiros que são mantidos separados e para os quais se solicita uma confissão da própria culpa e delação do outro em troca de uma redução da pena [Pindyck & Rubinfeld (1999)]. Se nenhum dos dois confessar, vale dizer se as lojas se mantivessem todas fechadas, ambos os prisioneiros receberiam uma pena pequena, o que significa em outro contexto os custos operacionais habituais. Porém, se um confessar e outro não, aquele que se mantiver calado será implicado e receberá uma punição maior. Dessa forma, se um prisioneiro confessar, a melhor alternativa para o outro é também confessar. Manter-se calado simboliza manter a loja fechada. No entanto, a soma das penas no caso das duas confissões e delações é maior do que no caso do silêncio mútuo. Diante disso, embora não seja a situação ideal, se um deles confessar e delatar, o melhor é que ambos confessem, isto é, se um varejista abrir, o menos pior é que os outros o acompanhem.

                Conclui-se, finalmente, que não havendo evidências de expansão das vendas e do volume de emprego e considerando adicionalmente que as classes menos favorecidas, inclua-se nesse grupo os pequenos lojistas, são aquelas mais contrárias a essa situação, os resultados indicam que as lojas deveriam permanecer fechadas aos Domingos.

                Na verdade, o que se está afirmando é que o mercado é incapaz de solucionar os conflitos distributivos decorrentes da manutenção das lojas abertas aos Domingos. O Estado deveria, portanto, chamar a si a responsabilidade voltando a determinar a proibição das atividades comerciais aos Domingos. É interessante mencionar que a encíclica do Papa João Paulo II manifesta-se exatamente nesse sentido. Em um trecho o Papa lembra seu antecessor Leão XIII: "..o meu venerado predecessor Leão XIII, na encíclica Rerum novarum (15 de maio de 1891) apontava o descanso festivo, como um direito do trabalhador, que o Estado deve garantir".

                Apesar de aproximadamente 40% dos entrevistados de renda baixa terem se manifestado favoravelmente à abertura do comércio aos Domingos, deve-se lembrar que o direito ao descanso e ao convívio familiar e social, ainda que de uma minoria, é inquestionável e deve ser garantido pelo Estado e pela Lei. Somente uma intervenção do Estado pode evitar uma coação de uma parcela da população que seria forçada a abrir mão desse direito ainda que sendo recompensada materialmente.

                Este é um estudo que abre possibilidades de pesquisa em diversas direções. Em primeiro lugar, seria interessante realizar para um município brasileiro o mesmo estudo que o empreendido para a província canadense. Um segundo ponto suscitado pelos resultados poderia ser uma pesquisa especificamente com comerciários, que complementaria os achados assinalados no presente trabalho. Finalmente uma outra possível extensão seria estudar detalhadamente uma determinada região geográfica identificando e caracterizando quem ganha e quem perde com as atividades comerciais aos Domingos.

Bibliografia

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Bacha, E. L.; Mata M. & Modenesi, R. I. (1972) Encargos trabalhistas e absorção de mão-de-obra. IPEA/INPES, No. 12.

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JOÃO PAULO II (1998) Carta Apostólica DIES DOMINI do Sumo Pontífice ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis da Igreja Católica sobre a Santificação do Domingo. No. 158. 2ª ed. São Paulo: Paulinas.

LAUAND, L. J. (2000). "Dias da Semana", mensagem de 20-4-2000 ao e-group Convenit: http://www.egroups.com/messages/convenit

NABETO, C. M. (1998) "Qual dia da semana devemos guardar: o Sábado ou o Domingo" www.geocities.com/Athens/Aegean/8990/ap11.htm

Pastore, J. (1997) A agonia do emprego. RJ: LTC.

Pindyck, R. S. & Rubinfeld, D. (1999) Microeconomia. 4a. ed. São Paulo: Makron Books.

PROVAR-FIA-USP. (1999) Lojas de rua versus lojas de shopping e abertura do comércio aos Domingos. Relatório da pesquisa realizada pelo Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração – Departamento de Administração da FEA-USP.

QUENNEVILLE, B.; Cholette, P. & Morry, M. (1999) “Should stores be open on Sunday? The impact of Sunday opening on the retail trade sector in New Brunswick” Journal of Official Statistics 15(3): 449-63.

SANTO TOMÁS DE AQUINO. (1974) Escritos de Catequesis. Madri: RIALP.

 


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