Arquidiocese de Florianópolis, SC, Pede Fim de Comércio aos Domingos

Deu na coluna de Cacau Menezes, na edição do Diário Catarinense de hoje (11/10/02), penúltima página:

Não aos domingos

A Arquidiocese de Florianópolis, que tem jurisdição sobre 30 municípios, conclamou os prefeitos dessas cidades para que façam observar o descanso semanal no domingo e pediu aos fiéis católicos que não comprem aos domingos em shoppings centers, supermercados e lojas comerciais.

O domingo, diz declaração da Arquidiocese assinada pelo arcebispo Dom Murilo Krieger e pelo bispo auxiliar, Dom Vito Schlickmann, é o dia em que as famílias e as comunidades se encontram, em que cada ser humano procura revigorar suas forças físicas e espirituais.

Bispos, padres e diáconos manifestam-se claramente contra a abertura do comércio aos domingos. Até entendem que a iniciativa gera vantagens financeiras, ainda mais numa área turística, como é a região de Florianópolis. Mas as desvantagens, argumentam, são maiores, na medida em que "atropelam os fundamentais direitos do trabalhador ao repouso, à convivência com a família e à prática religiosa".

A declaração critica a "banalização do domingo", que é de Deus, mas que está sendo usado em favor do lucro e do dinheiro.

Fonte: http://dc.clicrbs.com.br/cacau/materias/pagina1.htm

Leia abaixo a íntegra da nota divulgada:

Arquidiocese se manifesta sobre a abertura do comércio aos domingos

Fundamentando-se em argumentos da Bíblia e da doutrina social da Igreja Católica, os bispos, padres e diáconos da Arquidiocese manifestam seu parecer sobre as pressões econômicas para a abertura do comércio aos domingos.

O tema principal do documento é a defesa da vida em todas as suas dimensões, diante da mentalidade mercantilista do nosso tempo. O documento foi aprovado durante a última Reunião Geral do Clero, na Paróquia São Sebastião, em Tijucas, no dia 17 de setembro.

Segue o documento em sua íntegra.

Declaração sobre o domingo, Dia do Senhor

A Ressurreição de Jesus aconteceu no primeiro dia da semana, quando ele apareceu glorioso a seus discípulos e discípulas (Mt 28,1.9; Mc 16,9.14; Lc 24,1.13; Jo 20,1.11-17.19; 21,26). Por isso, os apóstolos e as primeiras comunidades cristãs passaram a chamar esse dia de "domingo", "dies Domini", dia do Senhor, e os primeiros cristãos passaram a reunir-se sempre no primeiro dia da semana, "o dia do Senhor" (Ap 1,10), para celebrarem a presença do Ressuscitado em meio à comunidade e para partilharem seus bens entre os necessitados (1 Cor 16,2). Os primeiros cristãos mudaram, assim, o sagrado costume judaico de santificar o dia de sábado.

A informação bíblica de que Deus descansou no sétimo dia, abençoando-o e santificando-o (Gn 2,2-3), mostra a clara intenção de marcar o shabbat como dia consagrado ao repouso e ao culto religioso. Oprimidos como escravos, primeiramente no Egito (1200 aC) e, depois, no exílio, sob o domínio da Babilônia (586-538 aC), os israelitas aprenderam de Javé que há uma relação intrínseca entre fé e vida (Ex 20,8-9). Crer em Javé é sinal de vida e de liberdade.

O sábado tornou-se, então, sinal máximo dessa relação: a fé no único Senhor e Libertador é garantia da preservação da vida pessoal e comunitária. O desrespeito ao sábado, ao contrário, era sinal de idolatria, de ganância, de exclusão dos pequenos, de opressão do povo trabalhador. Guardar o sábado era crer em Deus e garantir a vida. Não guardar o sábado levava à descrença e à morte do povo.

A santificação do sétimo dia para o povo judeu, prescrita no Antigo Testamento, passou, por disposição dos Apóstolos, a ser praticada no primeiro dia da semana, o domingo, dia santificado dos cristãos. Ao longo de vinte séculos de história, a Igreja Católica, juntamente com as outras igrejas cristãs, sempre reconheceu o particular sentido sagrado desse dia, vendo nele a Páscoa da semana, que torna presente a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte.

Domingo é dia do Senhor, que nos quer todos reunidos para participar da Eucaristia, ouvir sua Palavra e celebrar a ação de graças. É o dia em que as famílias e as comunidades se encontram, para reforçarem os laços de comunhão e amizade. É o dia de cada ser humano se revigorar em suas forças físicas e espirituais. É dia de descanso, um direito que é expressão de justiça social, que possibilita a convivência com a família e com a comunidade. É dia de nos prepararmos para nos colocar diante do último dia, aquele que nunca se acaba.

O domingo é, enfim, o dia da vida, da festa, da alegria. Domingo não é um feriado, mas um dia santificado. No feriado, cada um faz o que quer. No domingo, deve-se fazer o que Deus quer. Esse é o sentido do terceiro mandamento: guardar e santificar o dia do Senhor.

Atualmente, mesmo em países de tradição cristã, práticas ditadas por condições sócio-econômicas tendem a dar a esse dia apenas um caráter de "fim de semana", levando as pessoas a se fecharem em si mesmas, dificultando a abertura para o Absoluto, requisito essencial de respeito ao ser humano, criatura de Deus. O domingo tem-se tornado, até, dia de violência, de mortes no trânsito, dia de pecado contra a saúde e a sexualidade, contra a família e a vida.

A santificação do domingo, proposta pelos cristãos, revela um cuidado especial com o dom da vida. Certos segmentos da comunidade querem transformar o domingo em um dia a mais, melhor que os outros, para se fazer dinheiro. Na condição de pastores do povo cristão a nós confiado, e como profetas do novo povo de Deus, manifestamos nossa posição contrária ao propósito dos que pressionam para que se permita o funcionamento de estabelecimentos comerciais no domingo.

Entendemos que a medida representa prejuízo para o justo descanso e para o cumprimento das obrigações religiosas dos funcionários desses estabelecimentos, elo mais fraco da cadeia produtiva.

Compreendemos que a iniciativa produz algumas vantagens financeiras, importantes em tempo de dificuldades econômicas como as que o país atravessa. As desvantagens, entretanto, são maiores, na medida em que atropelam os fundamentais direitos do trabalhador ao repouso, à convivência com a família e à prática religiosa.

Não procede a comparação com a prestação de serviços essenciais, a que não se enquadram, certamente, as lojas comerciais. Não procede, nem mesmo, a justificativa de que é garantido o dia semanal de descanso do funcionário, pois, estando seus familiares e as outras pessoas de suas relações, nesse dia, trabalhando ou estudando, ele não poderá encontrar-se com seu cônjuge, filhos, familiares e amigos, e nem participar do culto dominical e desfrutar do lazer e das visitas de parentes, as quais normalmente ocorrem aos domingos.

Concretizada a pretensão de se banalizar o domingo, que é de Deus, da família, da comunidade e do trabalhador, esse dia estará sendo usado em favor do lucro e do dinheiro. Troca-se o Deus da vida pelo deus do mercado, em flagrante dissonância com o Evangelho de Jesus, que alertou: 'Não podeis servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24).

Compreendemos que, em uma área com vocação sócio-econômica marcada pelo turismo, pela importância do lazer e da prestação de serviços, a observância do dia do Senhor torna-se complexa. Esperamos, todavia, que, havendo real necessidade de trabalho nesse dia da semana, ele seja feito por sistemas de turnos e plantões, ficando o dia do Senhor assegurado aos fiéis, não recaindo o peso do trabalho aos domingos sempre sobre as mesmas pessoas. Isso decorre, como foi exposto acima, de nossa consciência bíblica sobre a justiça social.

Para estar à altura da dignidade humana, não pode a sociedade organizar-se apenas em função do lucro, como único valor a ser preservado. Se pretendemos construir uma sociedade justa e fraterna, não será entregando-nos à lógica do mercado que o conseguiremos. Além da dimensão econômica, há outros valores humanos, até mais fundamentais, a serem promovidos, tais como o convívio familiar, o culto religioso, o contato com a natureza, o louvor ao Criador.

Por isso, como bispos e padres da Arquidiocese de Florianópolis, sugerimos:

aos governantes de nossos municípios, que façam observar o descanso semanal em dia de domingo;

aos vereadores, que não aprovem projetos de lei que facilitem a abertura do comércio aos domingos;

aos donos de casas comerciais, que não abram suas lojas aos domingos;

aos fiéis católicos, que não usem o domingo para fazer compras em shoppings centers, supermercados e lojas comerciais;

a todos os cidadãos e cidadãs dos trinta municípios de nossa Arquidiocese, que acreditem na força libertadora da fé no Deus da vida e cuidem para não se deixarem vender ao deus do mercado.

Para maiores esclarecimentos sobre o tema, recomendamos a leitura da carta apostólica "Dies Domini" (O Dia do Senhor), sobre a santificação do Domingo, do Papa João Paulo II (31 de maio de 1998).

Esta declaração foi aprovada na reunião dos bispos, padres e diáconos da Arquidiocese, realizada em Tijucas, no dia 17 de setembro último. Com as bênçãos de Deus, único Criador e Senhor de nossas vidas.

Florianópolis, 20 de setembro de 2002.

Dom Murilo S. R. Krieger, scj Arcebispo Metropolitano Dom Vito Schlickmann Bispo Auxiliar

Fonte: http://www.arquifloripa.org.br/noticias/index.php#1033483336

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