Arquidiocese se manifesta sobre
a abertura do comércio aos domingos
Fundamentando-se em argumentos
da Bíblia e da doutrina social da Igreja Católica, os bispos, padres
e diáconos da Arquidiocese manifestam seu parecer sobre as pressões
econômicas para a abertura do comércio aos domingos.
O tema principal do documento
é a defesa da vida em todas as suas dimensões, diante da mentalidade
mercantilista do nosso tempo. O documento foi aprovado durante a
última Reunião Geral do Clero, na Paróquia São Sebastião, em
Tijucas, no dia 17 de setembro.
Segue o documento em sua
íntegra.
Declaração sobre o domingo, Dia
do Senhor
A Ressurreição de Jesus
aconteceu no primeiro dia da semana, quando ele apareceu glorioso a
seus discípulos e discípulas (Mt 28,1.9; Mc 16,9.14; Lc 24,1.13; Jo
20,1.11-17.19; 21,26). Por isso, os apóstolos e as primeiras
comunidades cristãs passaram a chamar esse dia de "domingo", "dies
Domini", dia do Senhor, e os primeiros cristãos passaram a reunir-se
sempre no primeiro dia da semana, "o dia do Senhor" (Ap 1,10), para
celebrarem a presença do Ressuscitado em meio à comunidade e para
partilharem seus bens entre os necessitados (1 Cor 16,2). Os
primeiros cristãos mudaram, assim, o sagrado costume judaico de
santificar o dia de sábado.
A informação bíblica de que
Deus descansou no sétimo dia, abençoando-o e santificando-o (Gn
2,2-3), mostra a clara intenção de marcar o shabbat como dia
consagrado ao repouso e ao culto religioso. Oprimidos como escravos,
primeiramente no Egito (1200 aC) e, depois, no exílio, sob o domínio
da Babilônia (586-538 aC), os israelitas aprenderam de Javé que há
uma relação intrínseca entre fé e vida (Ex 20,8-9). Crer em Javé é
sinal de vida e de liberdade.
O sábado tornou-se, então,
sinal máximo dessa relação: a fé no único Senhor e Libertador é
garantia da preservação da vida pessoal e comunitária. O desrespeito
ao sábado, ao contrário, era sinal de idolatria, de ganância, de
exclusão dos pequenos, de opressão do povo trabalhador. Guardar o
sábado era crer em Deus e garantir a vida. Não guardar o sábado
levava à descrença e à morte do povo.
A santificação do sétimo dia
para o povo judeu, prescrita no Antigo Testamento, passou, por
disposição dos Apóstolos, a ser praticada no primeiro dia da semana,
o domingo, dia santificado dos cristãos. Ao longo de vinte séculos
de história, a Igreja Católica, juntamente com as outras igrejas
cristãs, sempre reconheceu o particular sentido sagrado desse dia,
vendo nele a Páscoa da semana, que torna presente a vitória de
Cristo sobre o pecado e a morte.
Domingo é dia do Senhor, que
nos quer todos reunidos para participar da Eucaristia, ouvir sua
Palavra e celebrar a ação de graças. É o dia em que as famílias e as
comunidades se encontram, para reforçarem os laços de comunhão e
amizade. É o dia de cada ser humano se revigorar em suas forças
físicas e espirituais. É dia de descanso, um direito que é expressão
de justiça social, que possibilita a convivência com a família e com
a comunidade. É dia de nos prepararmos para nos colocar diante do
último dia, aquele que nunca se acaba.
O domingo é, enfim, o dia da
vida, da festa, da alegria. Domingo não é um feriado, mas um dia
santificado. No feriado, cada um faz o que quer. No domingo, deve-se
fazer o que Deus quer. Esse é o sentido do terceiro mandamento:
guardar e santificar o dia do Senhor.
Atualmente, mesmo em países
de tradição cristã, práticas ditadas por condições sócio-econômicas
tendem a dar a esse dia apenas um caráter de "fim de semana",
levando as pessoas a se fecharem em si mesmas, dificultando a
abertura para o Absoluto, requisito essencial de respeito ao ser
humano, criatura de Deus. O domingo tem-se tornado, até, dia de
violência, de mortes no trânsito, dia de pecado contra a saúde e a
sexualidade, contra a família e a vida.
A santificação do domingo,
proposta pelos cristãos, revela um cuidado especial com o dom da
vida. Certos segmentos da comunidade querem transformar o domingo em
um dia a mais, melhor que os outros, para se fazer dinheiro. Na
condição de pastores do povo cristão a nós confiado, e como profetas
do novo povo de Deus, manifestamos nossa posição contrária ao
propósito dos que pressionam para que se permita o funcionamento de
estabelecimentos comerciais no domingo.
Entendemos que a medida
representa prejuízo para o justo descanso e para o cumprimento das
obrigações religiosas dos funcionários desses estabelecimentos, elo
mais fraco da cadeia produtiva.
Compreendemos que a
iniciativa produz algumas vantagens financeiras, importantes em
tempo de dificuldades econômicas como as que o país atravessa. As
desvantagens, entretanto, são maiores, na medida em que atropelam os
fundamentais direitos do trabalhador ao repouso, à convivência com a
família e à prática religiosa.
Não procede a comparação com
a prestação de serviços essenciais, a que não se enquadram,
certamente, as lojas comerciais. Não procede, nem mesmo, a
justificativa de que é garantido o dia semanal de descanso do
funcionário, pois, estando seus familiares e as outras pessoas de
suas relações, nesse dia, trabalhando ou estudando, ele não poderá
encontrar-se com seu cônjuge, filhos, familiares e amigos, e nem
participar do culto dominical e desfrutar do lazer e das visitas de
parentes, as quais normalmente ocorrem aos domingos.
Concretizada a pretensão de
se banalizar o domingo, que é de Deus, da família, da comunidade e
do trabalhador, esse dia estará sendo usado em favor do lucro e do
dinheiro. Troca-se o Deus da vida pelo deus do mercado, em flagrante
dissonância com o Evangelho de Jesus, que alertou: 'Não podeis
servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24).
Compreendemos que, em uma
área com vocação sócio-econômica marcada pelo turismo, pela
importância do lazer e da prestação de serviços, a observância do
dia do Senhor torna-se complexa. Esperamos, todavia, que, havendo
real necessidade de trabalho nesse dia da semana, ele seja feito por
sistemas de turnos e plantões, ficando o dia do Senhor assegurado
aos fiéis, não recaindo o peso do trabalho aos domingos sempre sobre
as mesmas pessoas. Isso decorre, como foi exposto acima, de nossa
consciência bíblica sobre a justiça social.
Para estar à altura da
dignidade humana, não pode a sociedade organizar-se apenas em função
do lucro, como único valor a ser preservado. Se pretendemos
construir uma sociedade justa e fraterna, não será entregando-nos à
lógica do mercado que o conseguiremos. Além da dimensão econômica,
há outros valores humanos, até mais fundamentais, a serem
promovidos, tais como o convívio familiar, o culto religioso, o
contato com a natureza, o louvor ao Criador.
Por isso, como bispos e
padres da Arquidiocese de Florianópolis, sugerimos:
•
aos governantes de nossos municípios, que façam observar o descanso
semanal em dia de domingo;
•
aos vereadores,
que não aprovem projetos de lei que facilitem a abertura do comércio
aos domingos;
•
aos donos de casas
comerciais, que não abram suas lojas aos domingos;
•
aos fiéis
católicos, que não usem o domingo para fazer compras em shoppings
centers, supermercados e lojas comerciais;
•
a todos os
cidadãos e cidadãs dos trinta municípios de nossa Arquidiocese, que
acreditem na força libertadora da fé no Deus da vida e cuidem para
não se deixarem vender ao deus do mercado.
Para maiores esclarecimentos
sobre o tema, recomendamos a leitura da carta apostólica "Dies
Domini" (O Dia do Senhor), sobre a santificação do Domingo, do Papa
João Paulo II (31 de maio de 1998).
Esta declaração foi aprovada
na reunião dos bispos, padres e diáconos da Arquidiocese, realizada
em Tijucas, no dia 17 de setembro último. Com as bênçãos de Deus,
único Criador e Senhor de nossas vidas.
Florianópolis, 20 de setembro
de 2002.
Dom Murilo S. R. Krieger, scj
Arcebispo Metropolitano Dom Vito Schlickmann Bispo Auxiliar
Fonte:
http://www.arquifloripa.org.br/noticias/index.php#1033483336
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